terça-feira, 21 de setembro de 2010

Equipe de cientistas constrói câmera para observar 300 milhões de galáxias


El País
Alicia Rivera
Madri (Espanha)
  • Imagem feita pela sonda Wise, da Nasa, mostra a galáxia Messier 83, também chamada de Catavento do Sul Imagem feita pela sonda Wise, da Nasa, mostra a galáxia Messier 83, também chamada de Catavento do Sul
Quando os cientistas tropeçam numa surpresa, em algo que não compreendem, não ficam de braços cruzados, extasiados, mas imediatamente começam a inventar experimentos e observações para vencer o mistério, mais ainda quando se trata de uma descoberta que altera em grande medida o conhecimento que se tem da evolução do universo. Trata-se da energia escura, cuja existência era desconhecida há pouco mais de uma década e que agora atrai a atenção dos cosmólogos do mundo todo. Não era para menos: segundo as observações mais precisas realizadas, a energia escura constitui 72% de todo o universo e não se sabe o que ela é e a que leis obedece, mas está presente e é observada.

Para tentar esclarecer sua natureza, meia dúzia de câmaras astronômicas especiais estão sendo preparadas. Uma ficará pronta no próximo ano. Ela está sendo construída nos EUA e os astrônomos captarão com ela cerca de 300 milhões de galáxias, algumas tão antigas que emitiram a luz que chega agora à Terra logo no início do universo, poucos milhões de anos depois do Big Bang. O projeto se chama Dark Energy Camera e participam especialistas de vários países, incluindo a Espanha.

“Nosso objetivo principal é determinar a natureza da energia escura”, explicou recentemente Josh Frieman, diretor do projeto DES, que está fazendo a câmera norte-americana, no Centro Pedro Pascual de Benasque (Huesca). “A energia escura tem dois efeitos nos quais nos basearemos para investigar sua natureza: acelera a expansão do universo e modifica a velocidade com a que se formam as galáxias, e isso, por sua vez, afeta o número de galáxias e sua distribuição no espaço. Assim, contando as galáxias e medindo sua distribuição, obteremos pistas sobre o que ela é.”

Essa aceleração foi, efetivamente, a primeira pista que duas equipes de astrônomos encontraram há 12 anos. Até então, a cosmologia dizia que o universo, que está em expansão há 13,7 bilhões de anos, se expandiria cada vez mais lentamente devido à ação gravitacional de sua própria matéria. Mas em 1998, descobriu-se que na realidade está acontecendo justamente o contrário: o cosmos se expande agora mais depressa que antes. Como é possível? O que provoca este fenômeno? Ninguém tem a resposta e, enquanto isso, observações confirmaram essa aceleração. Se isso parecer um pouco estranho, nos primeiros 8 bilhões de anos a expansão foi desacelerando, como era de se esperar devido à ação gravitacional de sua própria matéria, mas depois a coisa mudou e começou a acelerar.

“A resposta está na energia escura, uma misteriosa força antigravitacional, de maneira que, quando o universo era jovem, a gravidade dominou, mas com o tempo, a matéria se dispersou o suficiente para que essa atração entre as galáxias diminuísse e a energia escura começou a dominar, uma força repulsiva que supera a atração da gravidade e faz com que as galáxias se distanciem entre si mais rapidamente”, explica Kristine Crane na revista Symmetry.

As explicações para este fenômeno são buscadas em várias direções, incluindo a ideia de Albert Einsten de uma constante cosmológica que teria precisamente esse efeito de repulsão gravitacional e que ele mesmo rejeitou. Outra hipótese, por exemplo, recorre a uma dimensão espacial extra para acelerar a expansão.

A câmera DES que é fabricada nos EUA (no Fermilab, Chicago) verá mais galáxias a grandes distâncias no universo do que qualquer outro programa de observação até agora, afirmam seus responsáveis. Ela tomará dados de supernovas longínquas (o que informa sobre a distância das galáxias em que estão), sobre os grupos de galáxias em grande escala e sua abundância e sobre a curvatura que provocam na trajetória da luz. “Vamos cartografar a distribuição das galáxias desde a situação atual até o universo de quando tinha poucos milhares de anos”, disse Joe Mohr em Symmetry.

Do universo primitivo, de quando tinha apenas 380 mil anos, os cosmólogos têm mapas, e o último foi o que o telescópio Planck fez, da Agência Europea do Espaço. E foi o estudo da radiação deste universo primitivo o que permitiu calcular que a energia escura representa 72% do cosmos, enquanto o resto é de matéria ordinária (5%) e matéria escura (23%).



A câmera DES (com participação de 120 especialistas dos EUA, Brasil, Espanha e Reino Unido), custa 39 milhões de euros e têm 74 detectores CCD (cada um de 3x6 centímetros), é montada sobre uma placa de meio metro de diâmetro. Para ver a luz infravermelha, os sensores funcionarão a cem graus abaixo de zero. Quando estiver terminada será instalada num telescópio no Chile.

“No DES participam espanhóis de várias instituições”, diz Juan García-Bellido, físico teórico da Universidade Autônoma de Madri, citando também a Ciemat, o Instituto de Física Altas Energias (Barcelona) e o Instituto de Estudos Espaciais da Catalunha. “Além disso”, nesses centros são feitos componentes importantes da câmera, como a eletrônica de transmissão de sinais desde os CCD até o registro de dados e parte do sistema de criogenia”. Mas os espanhois também estão desenvolvendo outra câmera similar à do DES, “que terá uma maior resolução e com um maior número de filtros), explica García Bellido. Trata-se de um projeto de detecção de energia escura que sofreu reajustes de pessoa e de objetivos.

Aos cientistas ocorreu também outras estratégias para abordar a energia escura, como estudar o chamado efeito BAO (oscilação acústica bariônica), e já estão desenhando, também nos EUA, outro detector específico.
Tradução: Eloise De Vylder

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