Haiti: o país da floresta perdida
“Para qualquer pessoa que queira entender os problemas do mundo contemporâneo, a fronteira de cerca de
As histórias opostas dos dois países fornecem “um antídoto útil” àqueles que consideram que existe um determinismo ambiental, diz o biólogo e geógrafo americano. Para Jared Diamon, as boas e más decisões pesam bem mais do que a fatalidade no destino das nações.
Mulher estende roupa em um acampamento improvisado; haitianos tentam retomar a vida
A madeira, questão vital
No início, os dois lados da ilha eram recobertos por florestas tropicais. Estas desapareceram em grande parte, mas a República Dominicana soube preservar cerca de um terço de suas paisagens originais, ao passo que o Haiti esgotou quase que totalmente seu capital florestal. A natureza, entretanto, preparava destinos opostos. A parte oriental da ilha é mais irrigada. O relevo de planícies e de planaltos que se esgueira entre picos que chegam a 3.000 metros de altitude oferece terras de melhor qualidade: a República Dominicana tinha uma vocação agrícola. Foi o Haiti que se apoderou dela. Primeiro para consolidar a prosperidade da colônia francesa: sua economia açucareira faz dela o território mais rico do Novo Mundo. E depois rapidamente para o pior, uma vez que a expansão agrícola se tornou a da miséria.
O desmatamento simboliza bem o círculo vicioso da pobreza no Haiti. No início dos anos 1920, a floresta tropical - depois de ter sido em parte extraída de suas essências raras para honrar o tributo financeiro imposto pela França em troca da independência - ocupava ainda 60% da superfície nacional. E depois menos de 20% na virada dos anos 1950. Hoje, restam somente 2% dela. Com cerca de 10 milhões de habitantes - como na República Dominicana, mas sobre um território duas vezes menor -, o Haiti tem a maior densidade populacional da região. A floresta foi roída pelos milhões de camponeses em busca de um pedaço de terra para sobreviver, e de madeira que garante a mais de 65% dos haitianos a única fonte de energia. Para muitas famílias, a madeira revendida na cidade fornece uma renda complementar sem a qual seria difícil ficar, uma vez que devem sobreviver com US$ 2 (R$ 3,72) por dia. E assim 30 milhões de árvores seriam cortadas todo ano, segundo a ONU.
O desaparecimento das árvores levou a uma forte erosão dos solos, reduziu sua fertilidade e provocou, nos arredores, fenômenos de seca e de desertificação. Qualquer chuva expõe a maioria das cidades às inundações e às torrentes de lama. Portanto, o balanço dos ciclones tropicais ali é muito mais pesado do que em seu vizinho dominicano. O desflorestamento foi culpado oficialmente pelo trágico resultado dos dois últimos grandes ciclones, em 2004 e em 2008, durante os quais a região de Gonaives, no norte do país, foi particularmente atingida.
A gravidade do problema é conhecida há muito tempo sem que os sucessivos governos tenham conseguido encontrar uma solução para ele. Diversos programas de reflorestamento foram lançados com o apoio de financiadores internacionais. Mas o cansaço venceu, depois de verem os raros progressos sendo questionados pelas recorrentes crises que minam o país há décadas. No local, associações e ONGs ainda tentam agir.
A miséria leva os haitianos a se instalarem ilegalmente do outro lado da fronteira para encontrar os recursos que sua terra não lhes dá mais. Todos os anos, a população haitiana consome 1 milhão de toneladas de cereais, dos quais 60% devem ser importados - quando os preços nos mercados mundiais o permitem... A insegurança alimentar continua grande, e em 2008 o país foi palco de revoltas por causa da fome. A história contada por Jared Diamond mostra que o drama do Haiti foi, em parte, forjado sobre uma catástrofe ambiental.
Na hora de pensar no futuro do país, seria condenável ignorar isso.
Tradução: Lana Lim